Conventuais de Portalegre





Os tons são de branco e amarelo. Os ingredientes base são apenas três, o açúcar, as gemas e a amêndoa. Este trio desdobra-se em infindáveis delícias de nome e sabor celestiais, que cobrem a mesa redonda do centro da sala de jantar do restaurante Terraço, Tivoli Av. da Liberdade. São todas elas da autoria de Rosária Maroco, uma doceira de Portalegre cujas mãos fazem verdadeiros milagres de doçaria conventual.





Existe actualmente uma grande confusão entre o que é e não é doçaria conventual. A tendência é para chamar conventual a tudo o que tem ovos e um nome vagamente religioso, seja ou não receituário dos conventos, mas também a esquecer muitos outros doces também saídos dos livros das monjas e freiras.  Há grandes controvérsias em torno de certos doces, como os pastéis de nata. Conventuais? Já foram até atribuídos a um convento de frades, quando sabemos que as ordens masculinos não se dedicavam à doçaria. Outro assunto premente que rodeia a doçaria conventual é a discussão da redução do açúcar neste tipos de doces, a fim de permitir o seu maior consumo. A nossa doçaria conventual tem alguma dificuldade em agradar aos turistas, por questões que se prendem com o sabor mas também com a saúde. Maria de Lourdes Modesto é a favor da redução do açúcar, afirmando que em certos doces, como por exemplo no pudim do abade de Priscos essa redução poderá chegar aos 150 g. Nem todos são dessa opinião. Pessoalmente, acho que se poderia ver caso a caso, doce a doce. Já no caso das gemas, a possibilidade de intervenção é nula.





Por decreto de 1832, a vitória liberal trouxe a extinção das ordens religiosas, rebaixadas porque “buscavam o seu ponto de apoio no céu para devorar a terra”. Em Portalegre existiam dois conventos: o mosteiro de S. Bernardo, da ordem de Cister, fundado no início do século XVI e extinto em 1878, com a morte da última monja, e o convento de Santa Clara, da ordem de São Francisco, fundado no século XIV e extinto em 1834.
Vivendo com grandes dificuldades após a extinção dos conventos, muitas religiosas fizeram da doçaria o seu modo de vida, directamente ou através da partilha secular de receitas. Algumas dessas receitas das clarissas acabaram nas mãos das irmãs Cardoso ou Martela (Judite e Laurinda), que se tornaram as mais conhecidas doceiras de Portalegre. Pensa-se que uma amiga e vizinha da família, a D. Estrela, que tinha acesso fácil ao património do convento, quem terá passado as receitas à mãe das manas Cardoso, que por sua vez as comercializou e instruiu as filhas Uma das irmãs, a Judite, resolveu partilhar as receitas que com ela tinham partilhado e, com a ajuda da Câmara Municipal, ensinou a várias mulheres a arte da doçaria conventual.
Uma dessas alunas de Judite Cardoso foi Rosária Maroco, convidada do Tivoli para o a divulgação da cozinha do Alentejo. Trouxe para Lisboa uma montra da sua doçaria de fazer cair os queixos. Alguns desses doces são extremamente invulgares, mas todos eles são deliciosos e feitos a preceito conforme as receitas do convento. Desconhecidos para mim são o Leite de Serafim. Quanto ao Manjar Branco, desconhecia aquela maneira de o dispor no prato.

Aqui fica um miniguia das doçarias apresentadas por Rosário Maroco no Tivoli.






Queijo Dourado - Dentro de uma capa de massapão (açúcar em ponto de pérola e farinha de amêndoa, que antigamente era moída com o pilão) surge a luz dos ovos moles a que se juntou chila e fios de ovos. Os riscos na parte de cima imitam a palha onde os queijos verdadeiros eram curados e guardados.






Miniaturas - o mesmo massapão com recheio de ovos moles





Toucinho do céu - açúcar, amêndoa, ovos, manteiga e farinha (não leva abóbora-gila)






Manjar branco - Este doce será alvo de crónica própria quando acabar a minha investigação, mas tem duas curiosidades que o tornam diferente dos outros: não leva peito de galinha e é armado em pétalas que se montam em círculo e se comem à mão, com o preceito de se começar por cima e no sentido dos ponteiros do relógio. Leva açúcar, leite, farinha de arroz e fécula de milho. No fim vai ao forno envolvido em panos molhados para queimar.



Pastéis de Santa Clara - têm uma forma triangular diferente do habitual destes pastéis (em meia-lua). O recheio leva amêndoa, batata-doce, açúcar e gemas.






Presunto doce - massapão misturado com chocolate, recheio de ovos e gila.






Lampreia de ovos - é uma lampreia diferente da habitual com capas de trouxa de ovos. Leva açúcar, amêndoa e chocolate em pó para a massa, ovos moles para o recheio.






Leite Serafim - açúcar, farinha de arroz, fécula de milho, gemas e leite. Corta-se à faca e é um verdadeiro deleite dos serafins. Um dos meus preferidos.


Fartes ou fartens -  açúcar, amêndoa, gemas e gila. É embrulhado em hóstia e “caiado”  com açúcar branco em ponto. Também um dos meus favoritos.


Mimos ou pastéis de mimo - açúcar, manteiga, amêndoa, gemas e gila

Encharcada - açúcar e gemas (queimada no forno).





 http://conversasamesa.blogs.sapo.pt/conventuais-de-portalegre-64799

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